Prometeu e Pandora

10/26/2006

Como eu pensaria um perfume


Como eu pensaria um perfume

Conheci, recentemente, um perfume que se abebera no mito de Pandora. Ou seja, busca em Pandora a própria essência de existir. Trata-se de uma fragrância feminina floral e sofisticada, de frasco de cor algo laranja com traços de azul, que vende beleza e desejo.
Talvez Pandora possa ser realmente assim, mesmo que eu tenha pavor a essa idéia.
Machado de Assis, em Memórias póstumas, mostra o mito próximo ao que eu imagino: um retorno à origem dos tempos onde, claro, há o azul e o laranja, mas nada é morno, nada é mais ou menos, e a primeira mulher humana, pelos moldes da mitologia grega, é uma força motriz, uma Gaia dos homens, alguém que dá sentido – através da dor – ao mundo que, ao que parece, sempre foi o que é.
Pandora não tem sofisticação. Não faz caras e bocas, não enlouquece os homens de paixão sexual, nem transforma o mundo em Tártato. Essa tarefa é de Prometeu. Vislumbro Pandora ao lado de Eros. Um princípio da natureza em seu estado absoluto e cru a ponto, talvez, de se tornar uma metalinguagem do mito. Para encontrar Pandora, há que se desvelar e desvelar e desvelar. E creio que há de sobrar pouco azul e raras flores para quem realmente abrir a caixa que destrói o Éden masculino criado por Prometeu.
Sim, não dá pra esquecer que, no mito de Pandora, a caixa que ela abre tem papel central. A mulher é uma mensageira da vontade dos deuses. Relacionando ao perfume, o frasco seria a Caixa e, me parece, o mal tem mais do que as duas cores que, de certo modo, se opõem.
Então, como eu faria o tal perfume?
Provavelmente, eu optaria por um frasco de cor escura pela força e pelo mistério que o escuro traz. E fugiria correndo dessa imagem do feminino sedutoramente aguado. Depois, o perfume. Detesto florais. São doces e enjoativos e, após meia hora, não o sentimos mais, mas todos os colegas saíram da sala. Poderia pensar aqui em um poema do Vinícius sobre a mulher que passa e deixa algo intangível no ar. Isso! Um aroma intangível que teria de ser inventado...
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Bem, talvez fique mais fácil fazer publicidade sobre a fragrância que ainda não escolhi. Pelo que detecto vagamente, há regras fundamentais. Preciso de um texto sucinto e pontual e de uma imagem sobre a mulher.
Nesse ponto, empaco novamente. Tenho dúvidas se existe um perfume pandora para mulheres reais, o que significa perguntar se realmente existimos sem a imagem. Então, vejamos, uma mulher linda e jovem – sim, só as mulheres jovens usam perfume – acabando com o mundo e o sossego dos homens...
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Sinto pena de Pandora que não é sucinta e é a mais velha das mortais. Quem sabe devêssemos só fazer perfumes pensando em Helena, Afrodite, Palas Atená. Ou Safo, para atender ao emergente mercado gay feminino.
Com a experiência, cada vez mais percebo o vulto de Prometeu rondando quem realmente sabe criar. O meu perfume fica na hipótese e a publicidade na gaveta porque sou prolixa, como é óbvio, e porque a imagem de Pandora é fluida demais para uma efusão publicitária.
Vale acrescentar que não uso perfume. Nunca.


 
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