Prometeu e Pandora

10/10/2007

Flores do mal

Quem busca ideais, fatalmente cairá na m... absoluta.
Não há como desviar da realidade que é dura, chata e rotineira. É um truísmo falar da efemeridade de ser feliz. Por outro lado, não há como fugir do desejo de buscar o que possa nos fazer felizes. Para isso há algumas ilhas, alguns momentos que foram - sim, normalmente é passado - o que existiu de melhor.
Claro que caímos no perigo de viver ad eternum um período bom que já foi, a tal da nostalgia que confundimos com saudade. Ou criar a perspectiva de algo. Porém, como toda expectativa é ilusão, o melhor é ler um poema baudelleriano e mandar tudo para aquele lugar. Amém.

9/22/2007

R.I.P


Bergman morreu.
Fiquei fora de circulação por uns tempos: fora de tudo e principalmente de pipocas televisivas. Comprei, recentemente, alguns filmes dele que sempre quis. E ele morreu...
Não que fôssemos bater papo sobre seus filmes, mas me sinto meio órfã.
Que pena. Bergman se foi.
Para ele, os versos de W.H. Auden e de Funeral Blues:

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog from barking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message He is Dead.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.
The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the woods;
For nothing now can ever come to any good.

12/01/2006

Electra, de Bergman

Gritos e sussurros e Persona


Tem coisas que a gente não sabe por que faz. Assistir a um filme de Bergman quando se está mal, por exemplo.
Comparar Gritos e sussurros com Persona não constitui uma aproximação sequer original. O simples fato de, nos dois filmes, mulheres estarem ilhadas em uma casa, somada à emergência de conflitos escondidos por longo tempo, têm sido o norte bergmaniano.
O encontro das três irmãs – e das duas mulheres – corresponde, ao que parece, à descida aos infernos. Isso não ocorre só porque a irmã está à beira da morte, ou porque uma das personagens está momentaneamente muda, mas em função da clausura que se instaura ou que é buscada por elas. Gritos e sussurros, repleto de imagens em vermelho, branco e preto, não reflete vida, só violência e paixão reprimida. A fotografia de Sven Nykvist, perfeita, flagra rostos inesquecíveis de amor, ódio e ternura. E faz cessar a dor, no final do filme, quando as irmãs, seguidas pela criada, passeiam pela grama.
Persona, se me permite a ignorância sobre técnica cinematográfica, é de um experimentalismo que faz hesitar em falar sobre, pois talvez seja só isso, um brinquedo de arte. Mas ser leigo é deleite de espectador que pode olhar só o que vê. Liv Ulmann não diz uma palavra e Bibi Andersson fala o tempo todo. E não dá pra tirar os olhos delas. Closes precisos, expressão, dor de novo. Uma atriz que se cala quando interpreta Electra.
Poucas coisas poderiam ser mais coerentes: Electra falou demais e silenciou demais. A mim parece que Bergman encontra Electra com freqüência: toda a vez que isola uma mulher num castelo confortável onde a família só entra para tornar a vida pior.

10/28/2006

A menina má



Acabo de ler Travessuras da menina má, de Llosa. Gostei da narrativa, mas Llosa se foi. Foi como ver uma sombra e querer pegá-la. A trama é legal, mas as personagens previsíveis e o pano de fundo político-social está longe da crítica llosiana de textos anteriores.
Não se pode esperar que um escritor seja bom sempre. Veja-se, por exemplo, os autores clássicos. E mesmo Deus criou obras questionáveis, como os seres humanos.
Voltando à terra, o que me incomoda mais no texto é o narrador.
Sou super exigente com narradores. São eles que conduzem a trama, que envolvem, que criam espaços de previsibilidade falsa e de anti-êxtases e todas aquelas angústias absolutamente necessárias a um bom texto.
O narrador protagonista é morno. Sofre de um amor sem cura e vai contando tudo como quem passa pela vida. Certo que ele próprio é uma soma de blasé com pouca percepção. Mas não me segurou, enfim, como leitora e isso é fundamental quando se pede leitura. Narrar é como seduzir. Exige flerte, mesmo que o namoro não aconteça.

10/26/2006

Como eu pensaria um perfume


Como eu pensaria um perfume

Conheci, recentemente, um perfume que se abebera no mito de Pandora. Ou seja, busca em Pandora a própria essência de existir. Trata-se de uma fragrância feminina floral e sofisticada, de frasco de cor algo laranja com traços de azul, que vende beleza e desejo.
Talvez Pandora possa ser realmente assim, mesmo que eu tenha pavor a essa idéia.
Machado de Assis, em Memórias póstumas, mostra o mito próximo ao que eu imagino: um retorno à origem dos tempos onde, claro, há o azul e o laranja, mas nada é morno, nada é mais ou menos, e a primeira mulher humana, pelos moldes da mitologia grega, é uma força motriz, uma Gaia dos homens, alguém que dá sentido – através da dor – ao mundo que, ao que parece, sempre foi o que é.
Pandora não tem sofisticação. Não faz caras e bocas, não enlouquece os homens de paixão sexual, nem transforma o mundo em Tártato. Essa tarefa é de Prometeu. Vislumbro Pandora ao lado de Eros. Um princípio da natureza em seu estado absoluto e cru a ponto, talvez, de se tornar uma metalinguagem do mito. Para encontrar Pandora, há que se desvelar e desvelar e desvelar. E creio que há de sobrar pouco azul e raras flores para quem realmente abrir a caixa que destrói o Éden masculino criado por Prometeu.
Sim, não dá pra esquecer que, no mito de Pandora, a caixa que ela abre tem papel central. A mulher é uma mensageira da vontade dos deuses. Relacionando ao perfume, o frasco seria a Caixa e, me parece, o mal tem mais do que as duas cores que, de certo modo, se opõem.
Então, como eu faria o tal perfume?
Provavelmente, eu optaria por um frasco de cor escura pela força e pelo mistério que o escuro traz. E fugiria correndo dessa imagem do feminino sedutoramente aguado. Depois, o perfume. Detesto florais. São doces e enjoativos e, após meia hora, não o sentimos mais, mas todos os colegas saíram da sala. Poderia pensar aqui em um poema do Vinícius sobre a mulher que passa e deixa algo intangível no ar. Isso! Um aroma intangível que teria de ser inventado...
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Bem, talvez fique mais fácil fazer publicidade sobre a fragrância que ainda não escolhi. Pelo que detecto vagamente, há regras fundamentais. Preciso de um texto sucinto e pontual e de uma imagem sobre a mulher.
Nesse ponto, empaco novamente. Tenho dúvidas se existe um perfume pandora para mulheres reais, o que significa perguntar se realmente existimos sem a imagem. Então, vejamos, uma mulher linda e jovem – sim, só as mulheres jovens usam perfume – acabando com o mundo e o sossego dos homens...
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Sinto pena de Pandora que não é sucinta e é a mais velha das mortais. Quem sabe devêssemos só fazer perfumes pensando em Helena, Afrodite, Palas Atená. Ou Safo, para atender ao emergente mercado gay feminino.
Com a experiência, cada vez mais percebo o vulto de Prometeu rondando quem realmente sabe criar. O meu perfume fica na hipótese e a publicidade na gaveta porque sou prolixa, como é óbvio, e porque a imagem de Pandora é fluida demais para uma efusão publicitária.
Vale acrescentar que não uso perfume. Nunca.

10/11/2005

Katrina's blues

Katrina's blues

A Esther falou sobre "Strange fruits", da Billie, e fiquei pensando nas várias vezes que tenho ouvido as pessoas comentando, espantadas, sobre a pobreza e a negritude do Sul dos EUA, mostradas após o furacão Katrina. Acontece que o sul do país do Bush nunca foi uma maravilha social. A abolição da escravatura, não muito diferente da nossa, só levou o pessoal dos campos de algodão para as cozinhas, as garagens, os jardins da gente rica. Triste é ver essa verdade sendo mostrada assim, de modo a se perceber que as pessoas pobres ficaram mais pobres, mais humilhadas. Dá vontade de rir quando vejo atores como Julia Roberts e vários outros fazendo visitas, pegando as crianças no colo, etc. Ela merecia outro Oscar por essa brilhante atuação. A única, aliás. Como alguém que ganha vinte milhões de dólares pode ter coragem de abraçar aquele que vive de biscate e achar que isso basta? Parece os nossos políticos.
Tirando essas coisas ruins e sem sentido, a região do delta do Mississipi é absurdamente linda. E fez gente ficar forte e compor músicas incríveis.
Tem um blues perfeito sobre isso. Aliás, tem blues perfeito para tudo. Mas esse é "Back water blues" e fala precisamente das cheias do Mississipi e da dor de abandonar a casa, de "subir o morro". Como "Strange fruits", dói até a alma.

9/20/2005

Home, sweet home ou o mito de Sísifo

Comprei um apartamento. Finalmente, depois de anos pensando, contando o dinheiro, imaginando como seria ter o meu canto. Posso, enfim, receber meus amigos, namorados, evitar gente chata, ver conhecidos e desconhecidos sem interferência de ninguém. Posso dormir e acordar à hora que quiser. Posso tomar vinho até a náusea e depois simplesmente me arrastar para a cama. Posso arrumar ou não a casa, ler até tarde, ouvir música a todo o volume, assistir aos filmes que gosto, ficar sem falar por horas a fio. E falar sozinha.
O melhor são as descobertas da vida independente. Descobri, por exemplo, que adoro cozinhar. Tenho me deliciado diante de panelas, molhos, temperos, óleos, vinagres e inúmeras receitas que acabo fazendo do meu jeito e com o que tenho no estoque. Tem saído umas comidas deliciosas. Outras nem tanto. A prova da minha felicidade na cozinha é a cintura que está, digamos, mais abrangente.
Mas, como tudo tem seus problemas, me deparei com algo muito chato. O trabalho não tem fim. E, pior, gosto de pia limpa. Adoro entrar na cozinha e ver a pia sem pratos, garfos e restos de comida. Mas isso raramente acontece.
Vou descrever o ritual: faço a comida, arrumo a mesa com requinte (de pobre), como, descanso, lavo a louça. Aí resolvo tomar um café. Lavo louça. Vou dormir, acordo, descasco uma laranja. Lavo louça. Faço um suco. Copo, espremedor, colher e faca. Lavo louça. Almoço. Aí desanda mesmo e a pia fica cheia. Resultado: lavo louça.
Eu sei que esse papo é chato, mas preciso de apoio. Vendo o apartamento e volto a morar com minha mãe? Desisto de jantares e almoços? Continuo comendo? O que fazer com a pia? Ou melhor, até onde a pia vai me levar?
Ah, Sísifo, finalmente te entendo. Pobre coitado. Mais do que desespero, você deve ter sentido tédio. Um completo, absoluto, obsessivo e insuportável tédio. E muita dor nas costas.


 
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